São Jorge é pop ...

27/12/2014 19:09

De novelas a música, o santo guerreiro deixa seu nome na cultura pop do Brasil

 

 
 
A lenda diz que ele foi um soldado romano do século III, que vivia na Capadócia (atual Turquia) e recusou-se a cultuar divindades pagãs. Por sua fé cristã, foi preso e torturado pelo imperador Diocleciano, resistindo bravamente até ser condenado à decapitação.

Patrono da Inglaterra e Portugal e venerado na região do Mediterrâneo, nos países ibéricos e no norte da Europa, São Jorge é um dos santos católicos mais amados do Brasil. Também está presente nas religiões afro-brasileiras, sendo associado a Ogum, orixá da guerra, em regiões como Rio de Janeiro e São Paulo; e a Oxóssi, orixá da caça, na Bahia.

O santo guerreiro é tão pop na terrinha brazuca que agora vai estar no horário nobre: é o santo de devoção de protagonistas de Salve Jorge, nova novela da Globo, assinada por Gloria Perez (Caminho das ÍndiasO Clone).

A fé em São Jorge no Brasil é tanta que é muito comum encontrar, nas casas ou sobre a porta de entrada, a estátua de um cavaleiro com armadura militar medieval, portando elmo e lança, que, do alto de um cavalo branco, nocauteia um dragão, vencendo o mal.

No Brasil, a música é o maior terreno cultural de devoção ao santo. E é no samba e na MPB que se encontram os ”cavaleiros” que dedicam suas letras a São Jorge, com nomes que vão de Caetano Veloso e Zeca Pagodinho a Hermeto Pascoal, Alcione, Djavan, Dudu Nobre e Martinho da Vila.

Mas é justamente um Jorge um dos principais devotos do padroeiro. Trata-se de Jorge Ben, o ponta de lança do samba-rock nacional. Ele até costuma comparecer às coletivas de imprensa com uma imagem do Santo e nunca perde uma festa de São Jorge na capital carioca, celebrada todo dia 23 de abril.

Sua música mais conhecida entre as que fazem referência ao santo é “Jorge da Capadócia”, que imortalizou trechos da poderosa oração de São Jorge e tornou-se um clássico da música brasileira.
 
Jorge Ben

Muitos fizeram novas versões da canção, como Fernanda Abreu. A música abre o álbum Sla 2 Be Sample, de 1992, como uma prece ritmada por batidas lounge. O grupo de rap paulistano Racionais MCs também apostou na força da oração do guerreiro para abrir “os caminhos” do disco Sobrevivendo no Inferno (1997).

“Domingo 23”, outra música de Jorge Ben, aparece no disco Ben, de 1972, onde ele canta que dia 23 é “dia dele passear no seu cavalo branco”. 23 de abril é a data em que se celebra o dia de São Jorge.

Em 1976, em um de seus principais discos, África Brasil, inclui a canção “Cavaleiro do Cavalo Imaculado”. Mais tarde, em 1993, o músico fez nova homenagem lançando o álbum 23, com a imagem de São Jorge na capa e o hit “Cowboy Jorge”. 

Dizem que em noites enluaradas, a superfície da lua cheia traz a imagem do santo, protegendo os céus das cidades contra as maldades desse mundo. Caetano Veloso celebrou o lado mais romântico da lenda em “Lua de São Jorge”, uma das faixas do disco Cinema Transcendental (1979). Sua irmã, a cantora Maria Bethânia, também homenageou os poderes terrenos do santo na música “Padroeiro do Brasil”, do álbum Brasileirinho, e na faixa “Medalha de São Jorge”, evocando proteção, no disco Olho D’Água.

Na literatura, um dos devotos mais conhecidos é o poeta Mário Quintana. Certa vez, quando a Igreja Católica questionou a veracidade da existência de São Jorge e o colocou na lista de possíveis “cassados”, o poeta escreveu um verso que leva o nome do santo e está no livro Velório Sem Defunto:
 
Um dia um papa decretou que São Jorge jamais havia existido
Meu Deus! a falta que nos faz um São Jorge
Se ninguém se atrever a montar no seu Cavalo Branco,
O Dragão Negro nos apanhará!


Sobrou São Jorge até no cinema. O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro é o primeiro longa-metragem em cores do diretor baiano Glauber Rocha e um dos grandes clássicos do Cinema Novo brasileiro. Foi lançado em plena ditadura e ganhou os prêmios de melhor direção e da crítica internacional no Festival de Cannes, em 1969.

Na sinopse, um cangaceiro chega a uma cidadezinha do sertão nordestino e apresenta-se como Coriana, suposto herdeiro de Lampião. Anos depois de ter matado Corisco, Antônio das Mortes (personagem já conhecido em Terra em Transe) vai à cidade para ver o cangaceiro. É o início do duelo entre o dragão da maldade contra o santo guerreiro, misturando violência, tons alegóricos, crítica social e imagens líricas. 

No Rio de Janeiro, embora não seja o protetor oficial da cidade, São Jorge é o santo mais popular. Lá, o dia 23 de abril é feriado, com direito a procissão e oferendas. Em São Paulo, terra da garoa, é o santo protetor do Corinthians, o time de futebol com uma das maiores torcidas do Brasil.
 
Por Carolina Cunha
 
Texto original publicado em: https://www.saraivaconteudo.com.br/