Retratos de uma certa Velha Guarda por Jeanine Gall ...

20/12/2014 13:49

IMPÉRIO DE BAMBAS

VELHA GUARDA SHOW DO IMPÉRIO SERRANO

 

Muito já se falou sobre a importância das Velhas Guardas nas Escolas de Samba, esse assunto é sempre trazido à baila quando se trata da preservação da raiz do samba puro, das tradições e conceitos mais arraigados dentro do Carnaval carioca. Para mim, não se trata de um tema distante, é a realidade do meu dia-a-dia.  Por isso, peço à benção e rendo homenagens e reverências aos Senhores e Senhoras que fazem arte e música, beleza e poesia, e que levam o pavilhão das suas Escolas a lugares inimagináveis, alcançando o coração e a alma dos amantes e admiradores do bom e velho Samba.  Devo muito a eles pelo fato de estar aqui escrevendo essas palavras, em especial, à Velha Guarda Show do Império Serrano, grupo com o qual venho trabalhando há dois anos, fotografando todas as apresentações que eles fazem por aí, uma aventura repleta da boa malandragem e de muito drible nas dificuldades também. No final, a alegria prevalece, pois como diz Capoeira Machado: Carnaval é para quem tem dentro de si a Felicidade.”

 

Falar em “Velha Guarda” nos remete sempre a um tipo de resgate, é como mergulhar na fonte das coisas mais sagradas.  O ideal seria ver uma onda poderosa que reorganizasse o senso crítico comum em relação ao que está sendo fartamente distribuído na mídia, injustamente classificado como “música”, quando, na verdade, é uma pálida tentativa de dar qualidade aquilo que nunca terá.  Um erro comum é associar o samba da “Velha Guarda” com “samba de velho”, já vi muita gente se surpreender com um pré-julgamento injusto. Sem perder de vista a raiz, no palco da Velha Guarda Show do Império Serrano quem manda é a vibração, a alegria e, acima de tudo, a emoção.

 

De vez em quando,  voltar ao início, rever a história é o mesmo que respirar uma cultura mais rica e plena, que sempre esteve acessível aos nossos olhos e ouvidos, mas que está sendo sufocada de forma trágica, acintosa.  Temos que resgatar e exaltar a essência que nos diferencia perante o mundo e que nos torna brasileiros genuínos, orgulhosos daquilo que somente nós (e mais ninguém), sabemos fazer muito bem.  E essa turma faz samba como poucos.

 

 Ariano Suassuna, que já foi enredo de desfile no Império Serrano, sempre foi um árduo defensor desta cultura de qualidade que falo aqui. Ele me serve de inspiração para não desistir, para ir adiante.

 

Cantes a tua aldeia e cantarás o mundo”, disse León Tolstói.

 

Madureira é um bairro privilegiado neste sentido, quando se fala em Escola de Samba e, principalmente, em Velha Guarda, pois no seu perímetro está uma Escola/Aldeia que tem o nome marcado pela beleza, inovação e tradição do Carnaval do Rio de Janeiro: o Império Serrano.

 

A Escola que nasceu O Prazer da Serrinha é reduto de nomes de peso neste universo do samba, um legado cultural imenso, inegável, que tem servido de fonte de inspiração e consulta para muita gente que vem beber da sua fonte ou da cervejinha gelada, como queiram.  No Império Serrano reside uma força que sustenta o nosso melhor perfil, e é a Velha Guarda que não nos deixa sucumbir diante da “modernidade a todo custo”,  como se isso fosse sempre uma solução positiva, um caminho a seguir.  Nem sempre é.

 

 A minha convivência de perto com a Velha Guarda Show do Império Serrano acabou derrubando alguns mitos, por conta disso, minha admiração por eles ficou ainda maior: eu vi como é difícil manter a união de artistas desse quilate, e de forma ativa, há exatos 15 anos!  Entre um Carnaval e outro, é a Velha Guarda Show e as Feijoadas da Escola que costumam manter acesa a chama do samba, são eles que nos fazem cantar as pérolas da verde e branco de Madureira, tão apreciadas pelo público, seja na quadra ou nos mais variados tipos de palcos, dos mais simples aos mais renomados, o que não pode cair é a qualidade do espetáculo. Depois de algumas mudanças, a Velha Guarda Show do Império Serrano vive hoje um momento de excelência crescente, sem abrir mão dos componentes mais antigos: Tia Nina, Fabrício do Cavaco e Ivan Milanez, quando eles pisam no palco, a história do Império Serrano pisa junto com eles, é emoção na certa.

 

 Por lá se diz que todos permanecerão juntos até quando Deus quiser e a vontade individual existir. Todos têm igual importância no grupo e a Estrela que brilha entre eles é a verde e branco de Madureira.

 

Entre seus componentes temos ritmistas, compositores, Mestre -Sala, Porta-Bandeira, cantores, porém, todos são SAMBISTAS antes de qualquer outra coisa. Cada um a seu modo, dá a sua contribuição para enriquecer essa colcha de retalhos que tanto merece o nosso mais profundo respeito.

 

Outra particularidade dentro desta Velha Guarda Show do Império Serrano é o espírito visionário de Capoeira Machado e Silvio Manoel,  em reconhecer novos talentos e abrir espaço nos seus shows para que a nova geração se apresente.  Foi assim com Italo Costa Ribeiro, um dos maiores intérpretes dos sambas de Beto Sem Braço (o rapaz é sucesso hoje!), com a cantora Lu Fogaça, dona de uma linda voz e presença de palco cheia de bossa, que dividiram o palco com a VGS.  O cantor Reinaldo Muzza  é o mais recém integrado à Velha Guarda Show, voz potente, de um cantar firme e sem pressa.

 

De acordo com Silvio e Capoeira, é papel da Velha Guarda fomentar a renovação do samba, sem perder de vista seus conceitos mais básicos, estruturais. Da mesma forma, o cantor Nilson Rangel foi convidado em 2010 por Capoeira Machado para compor este time.  Tia Nina (pastora), Tia Vilma (Porta-bandeira), Lindomar (pastora), Ivan Milanez (compositor, cantor, ritmista, passista), Luis Carlos do Cavaco (compositor, cantor, cavaquinista), Cizinho (percussionista, Mestre-sala, passista), Fabrício do Cavaco (cantor, percussionista), Silvio Manoel (Diretor de Bateria no último campeonato da Escola) e Capoeira Machado (cuíca, pandeiro, caixa).  Rachel Valença foi o reforço feminino mais recente, convidada por Capoeira em 2014 para compor a Velha Guarda Show, para o grupo é um privilégio poder contar com ela que já foi Vice-Presidente do Império Serrano, é escritora, filóloga¹, pesquisadora, uma verdadeira referência quando o assunto é Carnaval, Cultura e Império Serrano, e como só sabe fazer bem feito tudo que faz, a aula de canto ganhou uma aluna.

 

Cada componente rende um capítulo à parte, a trajetória de cada um cabe num longa-metragem, seriado, novela, em livro e peça de teatro, sem a menor sombra de dúvida.

 

Madureira precisa “limpar o seu espelho” para voltar a enxergar o seu real reflexo, se reconhecer mais bonita, mais nobre e mais feliz.  Às gerações mais novas de músicos, compositores, ritmistas, e até mesmo ao cidadão que não tenha essas aspirações artísticas, eu sugiro um mergulho neste universo, saiam do atalho e peguem a estrada principal, valorizem aqueles que abriram o caminho quando ninguém estava pensando na existência dele, venham prestigiar a subida deles no palco, conheçam a sua história, reverenciem os seus baluartes, eles merecem ser blindados por qualquer um que abra a boca para cantar um samba, que vista uma camisa verde-e-branco bordada com o peso da coroa imperial ou que coloque as mãos numa cuíca para tocar. A luta que eles já travaram e os caminhos trilhados até aqui são motivo de orgulho, nascido muito mais pelo amor ao samba do que pelo dinheiro.

Fazer samba é um prazer, viver dele, um desafio. 

 

A Velha Guarda Show do Império Serrano é linda, única, preciosa, rica culturalmente, e será eterna enquanto houver um único imperiano apaixonado disposto a cantar os sambas de Silas de Oliveira, Tio Helio, Campolino, Ivone Lara, Tuninho Fuleiro, Aniceto,  Mano Décio, Beto Sem Braço e tantos outros ilustres compositores imperiais junto com eles.

 

 Quando a sua aldeia voltar a ser cantada com todo o poder da sua gente, o mundo vai prestar atenção na sua voz.

Jeanine Gall - A “retratista oficial” da Velha Guarda Show do Império Serrano.

 

Confira as fotos da coluna no link abaixo:

https://www.focoinsamba.com.br/galeria-de-fotos/

 

 

1 - Filóloga - Trata-se do estudo da linguagem em fontes históricas escritas, é uma combinação de estudos literários, história e linguística. Qualquer linguagem clássica pode ser estudada filologicamente e, de fato, como uma linguagem de descrição "clássica" é que implicam a existência de uma tradição filológica associado a ele.